sexta-feira, 12 de outubro de 2018

NIXON: O PROTOTIPO DE LULA?


Nixon foi eleito presidente em 68. Pela matreirice e pela brutal ambição, foi apelidado de “Dick Trapaceiro”. Em 1972, foi reeleito e se envolveu no escândalo de Watergate. Atrás das cenas, apareceu outra pessoa que aquela que o público achava que conhecia: um tirano paranoico, muitas vezes embriagado. Era o paradoxo Nixon, que ilustra a relação entre personalidade e política.
Habitualmente os traços são de ambição intensa, autoritarismo, grandiosidade, arrogância, vangloria e subterfugio. Nixon era um narcisista: tinha o sentimento de ser especial ou único.
O narcisismo patológico começa quando a pessoa se torna tão viciada em sentir-se especial que, como qualquer droga, faz qualquer coisa para sentir tal completude, incluindo mentir, roubar, fraudar, trair, e mesmo magoar os mais íntimos.
O narcisismo é uma faca de dois gumes. O narcisista inclina-se ao abuso do poder, tolera comportamentos transgressores de subordinados, rouba, quebra regras, engana o fisco, tem relações extramaritais.
Pessoas com distúrbio de personalidade narcisista tem uma necessidade imperiosa de ser tratadas como se fossem especiais. As outras pessoas são simples espelhos, úteis para refletir a visão única que tem deles mesmos. Se os outros ficarem mal na comparação, por exemplo, arruinando suas reputações, paciência.
Os narcisistas demonstram: agressividade se ameaçados, infidelidade, vingança, inveja excessiva, jactância, reputação inflada e negação de qualquer malfeito.
Quando as pessoas se tornam mais viciadas em se sentir especiais, ficam mais perigosas. Aqui é onde o narcisismo patológico muitas vezes mistura-se com a psicopatia, numa sucessão de mentiras sem remorso e de manipulação. Psicopatas podem continuar em suas funções, fraudar as contas, assassinar reputações e manter o sorriso hipócrita, sem sentir culpa, vergonha ou tristeza. É o narcisismo maligno.
O maior perigo, como aconteceu com Nixon, é que os narcisistas patológicos podem perder contato com a realidade de formas sutis, que se tornam muito perigosas ao longo do tempo. Quando não se satisfazem na necessidade de ser admirados ou reconhecidos, precisam inventar uma realidade na qual continuam especiais, apesar de todas as mensagens em contrário. De fato, tornam-se perigosamente psicóticos.
(Fonte: Lee, Bandy X. The Dangerous Case of Donald Trump: 27 Psychiatrists and Mental Health Experts Assess a President (p. 84). St. Martin's Press. Edição do Kindle.)

domingo, 7 de outubro de 2018

FEMINICIDIO


O feminicídio é o misógino assassinato de mulheres por homens ou “o assassinato de mulheres por homens porque são mulheres” (Diana Russel). É perpetrado por homens machistas, possessivos, ciumentos e violentos. As motivações são o ódio, os ciúmes, o despeito, o sadismo. É comum o sujeito estar sob o efeito de drogas ou álcool quando passa ao ato.
Paradoxalmente, o lugar mais perigoso para a mulher é o lar, onde convive com o homem, seja marido, amante, pai ou irmão.
Este crime misógino é uma forma de violência sexual, implicando o desejo de poder, de domínio e de controle do homem numa sociedade patriarcal. O patriarcalismo tem origens muito remotas. Teria começado em tempos imemoriais quando as mulheres, naturalmente retraídas e esquivas, eram pegas à força pelos homens -mais fortes-, e arrastadas para dentro das cavernas. Mantinham-nas prisioneiras, para servir-se delas, como companhia permanente de suas vidas. Assim, constituíram-se as famílias, que governavam como “ciclópicos impérios” sobre suas mulheres e seus filhos (Vico). Isto implicava a superioridade de gênero e o sentimento de posse (gerador de ciúmes).
Os homens têm tendência a considerar as mulheres como “propriedade” sexual e reprodutiva. O “título” de posse é semelhante à de um bem material, terreno ou moradia por exemplo. Historicamente, os proprietários de escravos, servos, mulheres e crianças podiam desfrutar de seus “bens” como se lhes conviesse.  
O feminicídio é principalmente uma manifestação de possessividade e de ciúme. É desencadeado por uma ameaça de separação ou de abandono do lar. Na maioria das vezes, a esposa ou amante tem outro relacionamento. Isto pode precipitar um acesso de fúria narcísica, motivado por uma necessidade de vingança insaciável.
Esta conduta revela que a dominação masculina é também uma armadilha, condicionando-o a afirmar cegamente sua virilidade. Torna-se uma questão de honra, que o “obriga” a agir, regido pelo seu inconsciente falonarcísico. “A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica, tendendo a ratificar a dominação masculina sobre a qual é fundada. A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como predisposição ao combate e ao exercício da violência (principalmente na vingança), é antes de tudo uma carga” (Bourdieu).
Este sociólogo desvela a dimensão política do casamento (uma das primeiras instituições da cultura), cujo interesse masculino seria a acumulação de capital simbólico e social (honra). As mulheres seriam objetos ou bens simbólicos (dons) das trocas no mercado matrimonial.  
Portanto, a maioria dos casos de feminicídio está relacionada com o ciúme do homem. Este afeto é um derivado da disposição masculina de posse da mulher com quem tem um relacionamento íntimo. A influência da tradição patriarcal rege o inconsciente androcêntrico.
“Se não vai viver comigo, não irá viver”, sentenciou um feminicida.

domingo, 9 de setembro de 2018

A MULTIDÃO VERSUS O ESTADO


Coloquemos em foco três fatos sociais recentes: as jornadas de junho de 2013, as manifestações de protesto de 2015 e a greve (motim) dos caminhoneiros de 2018.
Procuremos analisa-los para encontrar seu sentido e o elo comum entre eles. Neles, indivíduos isolados, espalhados numa constelação difusa na sociedade, foram aglutinados numa multidão (Negri), através das redes sociais (pontos de link). O que levou esta massa a virar consciência coletiva da sociedade? O que mobilizou indivíduos, cuidando de seus próprios negócios, a se voltarem para o coletivo? Claro que no caso dos caminhoneiros estava posta uma reivindicação setorial no desencadeamento do movimento, mas depois houve articulação com a esfera pública. É evidente que, no caso das jornadas de junho, a majoração em 20 centavos no preço do bilhete de ônibus na cidade de São Paulo foi apenas um estopim.
O que estava represado em cada um que forçou uma saída, expressando-se num grito de indignação fusionado?
O desespero diante uma realidade insuportável, intolerável: viver numa sociedade que repete uma segunda barbárie, pior que a primeira da época da colonização. A violência é seu ferro. A nação brasileira encontra-se num processo de regressão, de dissolução do grau de civilização que havia alcançado.
 Brotou uma necessidade imperiosa de agir, de alguma forma, para modificar este arranjo teratológico. A forma foram as manifestações multitudinárias, cujo ícone era ser “sem partido”, ou a frase “vocês não me representam”, sintetizando a crise de representação.
O que se expressava era a revolta contra um sistema político apodrecido (os três poderes, mais a elite da burocracia) que capturou o Estado.
Mosca afirma que, em todas as sociedades, existem duas classes de pessoas. A primeira, minoritária, monopoliza o poder e desfruta das vantagens que proporciona, enquanto a segunda, a maioria, é dirigida e controlada e supre a outra com meios privilegiados de subsistência.
Este é o conflito central da sociedade brasileira neste início do século XXI, sob o impacto da globalização. O antagonismo entre uma sociedade civil submetida a uma carga tributária de 35% do PIB sob dominação de um Estado patrimonialista, corrupto, ineficiente, irracional e hipertrofiado.
E diante de tanta inconformidade, insurreição mesmo, como reagiu a classe política, o establishment?
Só fez acentuar sua couraça pétrea num reflexo de defesa de seus privilégios. Boiando sobre a sociedade civil, aí pretende ficar gozando do excedente que extrai das forças produtivas da nação.
Para a perpetuação no poder, criou um mecanismo perverso: um fundo eleitoral milionário, com verbas públicas, destinado aos partidos políticos (entes privados). Ou seja, congelou o que a multidão tinha posto em movimento.
Este é o cenário para as eleições de 2018. A multidão ficou “a ver navios” e os “mortos-vivos” estão mais vivos do que nunca.
 É uma mistura explosiva.