O Leviatã, de Hobbes, é o maior tratado de pensamento político em
língua inglesa. Em sua teoria, o filósofo postula: “...em primeiro lugar,
coloco como uma inclinação geral de toda espécie humana, um perpétuo e insaciável
desejo de poder pelo poder, que cessa somente com a Morte”. Esta voracidade
espontânea e infinita do homem o leva a desejar o domínio absoluto. A busca
irracional pelo poder é baseada no prazer que o homem tira da sensação de sua
própria onipotência, isto é, na vaidade. Isto o impulsiona no esforço pelas
posições honoríficas, no reconhecimento de sua superioridade sobre os outros,
na ambição, no orgulho e na paixão pela fama. O Estado é comparado ao Leviatã,
porque ele é “o Rei de todas as crianças da soberba”.
O Estado é a mais extensa
vontade de poder, uma efetiva formação de domínio. Todas as sociedades
apresentam-se divididas em dois segmentos: uma camada superior – composta pelas
elites governante e não-governante-, que domina a imensa maioria das pessoas. A
elite política detém o controle do Estado, das finanças, tem o monopólio da
violência e desfruta das vantagens que o poder proporciona, enquanto a maioria
governada fornece recursos privilegiados para a minoria, além dos meios
essenciais para a máquina burocrática funcionar.
Toda sociedade é caracterizada pela natureza
de suas elites, principalmente de sua elite governante. Há uma distribuição
muito desigual dos bens no conjunto social e uma distribuição mais desigual
ainda do poder, da influência, do prestígio, associados ao monopólio da
política. É principalmente através da riqueza que o princípio da soberania do
povo sofre um curto-circuito, é ludibriado. A riqueza produz poder político,
assim como o poder político tem gerado riqueza.
Por estes vários privilégios,
a elite política tem o viés de tornar-se familiar. Pelas mesmas razões, é
submetida ao princípio da inércia: tem a tendência a permanecer no lugar,
preservando o mesmo estado de coisas. Esta estabilidade entra em contradição
com o princípio da alternância democrática.
A inclinação da elite política para
monopolizar o poder e se perpetuar é ameaçada pela insurgência de novas forças.
A inércia levou a atual minoria a se fechar, tornar-se rígida, petrificada,
além de improdutiva. Procura imobilizar o surgimento de uma renovação política.
Por outro lado, a centralidade da luta pela permanência no poder desta casta, a
impossibilita de governar adequadamente o país. Está obcecada por sua
sobrevivência política.
A estrutura de dominação do tipo
patrimonialista do Estado brasileiro resistiu a todas as transformações nos
séculos de sua História. A carapaça administrativa de instituições anacrônicas
frustra o desabrochar das potencialidades reprimidas. O patronato político
exerce o poder sobre a nação como uma autocracia de caráter arbitrário. “ A
comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios
privados seus na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se
demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um
aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos” (Raymundo
Faoro).
Os 28.125 candidatos aos
cargos em disputa nas eleições de 2018 no Brasil declararam à Justiça Eleitoral
possuir R$ 304 milhões, em dinheiro vivo (segundo tabulação do “Estado de São
Paulo”, de 22 de agosto de 2018). O total de bens declarados chegou a R$ 25,2
bilhões. Em contraste, existem 14 milhões de cidadãos desempregados.
Ocorre uma tal divisão entre
os dois segmentos do conjunto social que parecem existir em realidades
paralelas. Nem a função primordial do poder público, a de assegurar a vida e a
propriedade das pessoas, é cumprida. Em consequência, a sociedade entrou num
estado de anomia: existem leis, normas, mas elas não são respeitadas. Há um
total descolamento dos três poderes da República da realidade brutal em que
vive a população. O resultado é a perda de confiança geral e a falta de
representatividade, legitimidade, das autoridades. A crise moral, revelada pelo
Mensalão e pela Operação Lava-Jato, provocou um sentimento de repulsa, de
revolta, de descrédito, contra os que monopolizam o poder de forma tão vil.
Convém lembrar que a Ação Penal
470, apelidada de mensalão, foi a primeira grande rachadura no imenso esquema
de corrupção sistêmica do país. Esta é a moeda de troca entre o público e o
privado, mecanismo essencial do patrimonialismo ou capitalismo de compadrio. As
principais causas da corrupção são o presidencialismo de coalizão e a
impunidade.
Coloquemos em foco três “brechas”
sociais recentes: as jornadas de junho de 2013, as manifestações de protesto de
2015 e a greve (motim) dos caminhoneiros de maio 2018. A rebelião das ruas
adquiriu forma contra o obsoletismo de um sistema político apodrecido (os três
poderes, mais a elite da burocracia) que capturou o Estado.
Este é o conflito central da
sociedade brasileira neste início do século XXI, sob o impacto da globalização.
O antagonismo entre uma sociedade civil submetida a uma carga tributária de 35%
do PIB sob dominação de um Estado patrimonialista, corrupto, irracional,
ineficiente e hipertrofiado.
Diante de tanta inconformidade,
insurreição mesmo, como reagiu a casta política, o “establishment”?
Só fez acentuar sua couraça
pétrea num reflexo de defesa de seus privilégios. Boiando sobre a sociedade
civil, aí pretende ficar gozando do excedente que extrai das forças produtivas
da nação.
Para a perpetuação no poder,
criou um mecanismo perverso: um fundo eleitoral milionário, com verbas
públicas, destinado aos partidos políticos (entes privados). Ou seja, congelou
o que a multidão tinha posto em movimento.
Este é o cenário para as eleições
de 2018. O povo ficou “a ver navios” e os “mortos-vivos” estão mais vivos do
que nunca.
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