terça-feira, 28 de agosto de 2018

A LÓGICA DA CASTA POLÍTICA


O Leviatã, de Hobbes, é o maior tratado de pensamento político em língua inglesa. Em sua teoria, o filósofo postula: “...em primeiro lugar, coloco como uma inclinação geral de toda espécie humana, um perpétuo e insaciável desejo de poder pelo poder, que cessa somente com a Morte”. Esta voracidade espontânea e infinita do homem o leva a desejar o domínio absoluto. A busca irracional pelo poder é baseada no prazer que o homem tira da sensação de sua própria onipotência, isto é, na vaidade. Isto o impulsiona no esforço pelas posições honoríficas, no reconhecimento de sua superioridade sobre os outros, na ambição, no orgulho e na paixão pela fama. O Estado é comparado ao Leviatã, porque ele é “o Rei de todas as crianças da soberba”.
O Estado é a mais extensa vontade de poder, uma efetiva formação de domínio. Todas as sociedades apresentam-se divididas em dois segmentos: uma camada superior – composta pelas elites governante e não-governante-, que domina a imensa maioria das pessoas. A elite política detém o controle do Estado, das finanças, tem o monopólio da violência e desfruta das vantagens que o poder proporciona, enquanto a maioria governada fornece recursos privilegiados para a minoria, além dos meios essenciais para a máquina burocrática funcionar.

 Toda sociedade é caracterizada pela natureza de suas elites, principalmente de sua elite governante. Há uma distribuição muito desigual dos bens no conjunto social e uma distribuição mais desigual ainda do poder, da influência, do prestígio, associados ao monopólio da política. É principalmente através da riqueza que o princípio da soberania do povo sofre um curto-circuito, é ludibriado. A riqueza produz poder político, assim como o poder político tem gerado riqueza.

Por estes vários privilégios, a elite política tem o viés de tornar-se familiar. Pelas mesmas razões, é submetida ao princípio da inércia: tem a tendência a permanecer no lugar, preservando o mesmo estado de coisas. Esta estabilidade entra em contradição com o princípio da alternância democrática.

 A inclinação da elite política para monopolizar o poder e se perpetuar é ameaçada pela insurgência de novas forças. A inércia levou a atual minoria a se fechar, tornar-se rígida, petrificada, além de improdutiva. Procura imobilizar o surgimento de uma renovação política. Por outro lado, a centralidade da luta pela permanência no poder desta casta, a impossibilita de governar adequadamente o país. Está obcecada por sua sobrevivência política.

A estrutura de dominação do tipo patrimonialista do Estado brasileiro resistiu a todas as transformações nos séculos de sua História. A carapaça administrativa de instituições anacrônicas frustra o desabrochar das potencialidades reprimidas. O patronato político exerce o poder sobre a nação como uma autocracia de caráter arbitrário. “ A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos” (Raymundo Faoro).
Os 28.125 candidatos aos cargos em disputa nas eleições de 2018 no Brasil declararam à Justiça Eleitoral possuir R$ 304 milhões, em dinheiro vivo (segundo tabulação do “Estado de São Paulo”, de 22 de agosto de 2018). O total de bens declarados chegou a R$ 25,2 bilhões. Em contraste, existem 14 milhões de cidadãos desempregados.

Ocorre uma tal divisão entre os dois segmentos do conjunto social que parecem existir em realidades paralelas. Nem a função primordial do poder público, a de assegurar a vida e a propriedade das pessoas, é cumprida. Em consequência, a sociedade entrou num estado de anomia: existem leis, normas, mas elas não são respeitadas. Há um total descolamento dos três poderes da República da realidade brutal em que vive a população. O resultado é a perda de confiança geral e a falta de representatividade, legitimidade, das autoridades. A crise moral, revelada pelo Mensalão e pela Operação Lava-Jato, provocou um sentimento de repulsa, de revolta, de descrédito, contra os que monopolizam o poder de forma tão vil.

Convém lembrar que a Ação Penal 470, apelidada de mensalão, foi a primeira grande rachadura no imenso esquema de corrupção sistêmica do país. Esta é a moeda de troca entre o público e o privado, mecanismo essencial do patrimonialismo ou capitalismo de compadrio. As principais causas da corrupção são o presidencialismo de coalizão e a impunidade.
Coloquemos em foco três “brechas” sociais recentes: as jornadas de junho de 2013, as manifestações de protesto de 2015 e a greve (motim) dos caminhoneiros de maio 2018. A rebelião das ruas adquiriu forma contra o obsoletismo de um sistema político apodrecido (os três poderes, mais a elite da burocracia) que capturou o Estado.
Este é o conflito central da sociedade brasileira neste início do século XXI, sob o impacto da globalização. O antagonismo entre uma sociedade civil submetida a uma carga tributária de 35% do PIB sob dominação de um Estado patrimonialista, corrupto, irracional, ineficiente e hipertrofiado.
Diante de tanta inconformidade, insurreição mesmo, como reagiu a casta política, o “establishment”?
Só fez acentuar sua couraça pétrea num reflexo de defesa de seus privilégios. Boiando sobre a sociedade civil, aí pretende ficar gozando do excedente que extrai das forças produtivas da nação.
Para a perpetuação no poder, criou um mecanismo perverso: um fundo eleitoral milionário, com verbas públicas, destinado aos partidos políticos (entes privados). Ou seja, congelou o que a multidão tinha posto em movimento.
Este é o cenário para as eleições de 2018. O povo ficou “a ver navios” e os “mortos-vivos” estão mais vivos do que nunca.




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