domingo, 26 de agosto de 2018


A INVOLUÇÃO SOCIAL
A cultura da violência, da barbárie, apoderou-se do país. Atingiu a cifra absurda de quase 64 mil homicídios, em 2017. Pode-se dizer que o país sofreu uma involução social, regredindo para o “estado de natureza”, de guerra civil crônica, em pequena escala.
Sabe-se que uma das características do Estado moderno é deter o monopólio da violência física para fazer cumprir a lei, condição da civilização. É evidente que o Estado brasileiro está ultrapassado. Fica claro também seu protagonismo nesta verdadeira situação de anomia social.
Num antropomorfismo forçado, reconstituamos a “biografia” recente do Estado nacional. O presidente populista Jânio Quadros, com sua renúncia tresloucada (1961), lançou o país numa grave crise institucional. O conflito entre seu vice e a corporação militar levou a um remendo parlamentar extra temporâneo, de curta duração. O populista Jango Goulart arriscou uma aventura reformista e foi deposto. Foi o fim da Constituição de 1946 e o início do regime de exceção de 1964, com o exercício da violência excessiva e sem legitimidade. O regime militar cedeu o poder aos civis, mas a figura conciliadora de Tancredo Neves desapareceu tragicamente. A Constituição de 1988 foi redigida num viés revanchista e utópico. Houve um pequeno alívio civilizatório com o plano Real. A recaída consistiu em nova incursão no populismo, com o caudilho corrupto e suas forças mercenárias. A liderança carismática messiânica estraçalhou a ordem tradicional, que se sustentava precariamente. A reação veio com o Mensalão e a Lava Jato, que colocaram em cheque o Estado patrimonialista. Enquanto isto, crescia nas sombras um poder paralelo, o do tráfico de drogas, desde o final dos anos 70.
Este é o quadro em letras maiúsculas. Sua redução às letras minúsculas nos defronta com as pessoas. Tomemos, neste contexto beligerante, a dinâmica do latrocínio do celular. O ambicioso deseja a sua posse, ferramenta de alto valor nos “escritórios” do crime organizado nas penitenciárias. O roubo à mão armada serve a seus fins. A vítima fica sob o poder do criminoso, invadida pelo medo da morte violenta. O predador experimenta prazer em ser reconhecido em sua superioridade pela caça. Em sua arrogância, ardendo de vaidade, todo mundo lhe obedece e tudo acontece conforme os seus desígnios. Qualquer esboço de resistência, qualquer tentativa de escapar do controle, qualquer atitude de desafio, é punido com selvagem execução. Recentemente em São Paulo, dois jovens de 16 e de 18 anos foram mortos por causa de celular. O rapaz correu atrás dos bandidos e a moça teria debochado do assaltante. Foram reações fatais.
O filósofo Hobbes escreveu: “...não há sociedade; e o que é o pior de tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, miserável, cruel, embrutecida e curta” (Leviatã).  
Este caldeirão fervendo e transbordando mal e mal chegou às eleições de 2018.


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