quarta-feira, 5 de setembro de 2018

A SOCIEDADE BRASILEIRA EM TRANSIÇÃO


Os altos índices de criminalidade e de estupros, a disseminação das drogas, a violência nas manifestações de rua, a corrupção disseminada, para não citar que alguns fenômenos sociais patológicos, indicam que a sociedade brasileira está numa era de transição.
                Para onde?
Maquiavel, em sua História de Florença, comparando-a com eventos passados, concluiu que as sociedades mal ordenadas, injustas, oscilam entre a servidão e a licenciosidade.  A servidão é sinônimo de Ditadura, o pior dos regimes. Aos cidadãos, transformados em servos, é imposto um governo que impera baseado na força e não nas leis. A licenciosidade, a anarquia, é caracterizada pelo regime no qual os cidadãos não respeitam as leis, aspirando por uma liberdade sem qualquer restrição. É o caldo de cultura ideal para os demagogos, isto é, os chefes de partidos populares (origem do termo na Grécia Antiga), mestres no uso da retórica, na magia das palavras, para iludir as massas.
 Tal parece ser o caso do Brasil: transitou da Ditadura para a forma mais degenerada de Democracia, a conduzida por demagogos (Aristóteles). Nesta condição, instalou-se a licenciosidade, manifestada pelos fenômenos apontados acima. Portanto, seguindo o raciocínio do sábio renascentista, a sociedade brasileira estaria em transição para uma Tirania. Qual forma de Tirania? A resposta de Platão não pode ser mais clara: um “salvador da pátria” seria entronizado. Assim, a forma de Tirania seria a do governo de um Só, nos moldes de Mussolini ou Salazar. Na Roma Antiga, foram inúmeros os golpes dos legionários ou da guarda pretoriana. Já tivemos um precedente recente. Haveria condições de recidiva? No imaginário da classe média superior existe o desejo. O trauma pelo fracasso da experiência dos guardiões armados do Estado estaria superado ou “gato escaldado tem medo de água fria”?
Em função do “background” nacional, julgamos que estes são os cenários mais prováveis: um longo período de licenciosidade, com o aprofundamento da barbárie, da anomia, beirando a “guerra de todos contra todos” (Hobbes) ou a Tirania, de um Só ou de uma burocracia (ou uma mescla dos dois).
Atualmente, a hegemonia ideológica da elite governante brasileira pode ser
caracterizada pelo modelo cristão-marxista. Estão embutidos nestas duas visões de mundo, de configuração totalizante, os “ovos de serpente” da licenciosidade e o da Ditadura (“do proletariado” /do partido/do culto de personalidade).
                A ideologia cristã - desconsiderando as questões relacionadas à fé-, seria a de “perdedores”, na avaliação de valores do filósofo alemão Nietsche. Privilegiaria aos "pobres", aos "enfermos" e aos "pecadores". Uma vez delineado este arcabouço teórico de caráter ideológico, agora estamos aptos para ilustrá-lo na prática.

        O “carro-chefe” dos programas do governo é o famoso “Bolsa-Família”, direcionado aos “pobres”. Isto se traduz na postura assistencialista oficial de transferência de renda para as camadas mais baixas da escala social-iniciada pelo “Fome-Zero", de iniciativa da Igreja. No discurso religioso trata-se do sinal do maná, “o verdadeiro pão que vem do céu”(6,32-33). O antropólogo francês Marcel Mauss escreveu um ensaio sobre a dádiva, em que analisa as mais antigas relações de troca nas sociedades. Um dos exemplos que cita é o do “dom” (potlatch), que quer dizer, essencialmente, dádiva e alimento. Estabelece-se uma forma arcaica de contrato, em que o presente recebido é obrigatoriamente retribuído. A dádiva implica necessariamente a instalação de crédito. O “dom” é mais que uma troca: é um fenômeno religioso, mitológico e xamanístico. Há necessidade de caracterizar, ainda mais,  uma das principais virtudes cristãs,  a da caridade? (“quem dá aos pobres empresta a...”).
A ideologia cristã tem grande influência sobre a aplicação do código penal da sociedade. A postura diante do criminoso, do fora-da-lei, do “marginal”, é a do excluído, do explorado. Estimula uma atitude tíbia diante do crime, escorada na
"recuperação" do malfeitor, sinônimo de "pecador", merecedor da misericórdia e do
perdão. O menor pode cometer todas as infrações "de maior", no entanto, a elite governante recusa-se a rever a maioridade penal. Há uma epidemia de ódio, de crime e de violência no país e os governantes não ousam contrariar a ideologia do “amor  ao inimigo”...
Quanto aos "enfermos" aí está o Sistema Único de Saúde, garantindo a prestação da assistência à saúde de forma universal e igualitária. A ideologia cristã marcou o advento da igualdade entre os homens, o fim da escravidão na Antiguidade. O programa "Mais Médicos", procura estender este direito até os mais distantes recônditos do país. Os médicos foram, e não por acaso,  importados da Ilha Socialista.
Neste ponto, torna-se possível estabelecer uma ponte com a outra ideologia dominante da casta dirigente, a marxista.
A curiosa coincidência é que o marxismo também pode ser considerado uma crença, semelhante a uma religião. Citemos a interpretação de Karl Löwith, em “Significado e Fim da História”: “É somente na consciência ‘ideológica’ de Marx que toda história é a história das lutas de classe, enquanto a real força condutora por detrás desta concepção é um transparente messianismo que tem sua raiz inconsciente no próprio ser de Marx, mesmo em sua raça. Ele era um Judeu de estatura do Velho Testamento, embora um Judeu emancipado do século dezenove que era fortemente antirreligioso e mesmo antissemita. É o velho messianismo e profetismo judaico -inalterado por dois mil anos de história econômica de trabalho manual  à indústria de larga escala- e a insistência judaica na absoluta retidão que explicam a base idealista do materialismo de Marx. Embora pervertido em previsão secular o Manifesto Comunista ainda conserva as características básicas da fé messiânica: ‘ a certeza das coisas aguardadas’..o proletariado como povo eleito que conduz à redenção”.

Pode-se, porém, imaginar um cenário mais “róseo”: nos interstícios institucionais e na falência da ordem da sociedade atual pode estar em gestação a criação de um “admirável mundo novo”. Estabeleçamos que já exista alhures: nos países nórdicos da Europa (Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia). São modelos híbridos, associando o Estado e o Mercado, numa combinação mais harmoniosa, temperada.
O grande historiador Ferdinand Braudel dizia que a vida nos países emergentes (para usar o vocabulário atual) era um Purgatório ou um Inferno.
 Suponhamos que estejamos numa encruzilhada: o Céu ou o Inferno será o Destino brasileiro?

Nenhum comentário:

Postar um comentário